Mais um dia normal na minha vida...

- "Alô?"
- "Boa tarde. O senhor Natanael está?"
- "Sou eu... e não é Natanael, é Rafael."
- "Ah, sim...pois não. Aqui é Maristela, da Filtros Reino Unido."

Nem o nome da vítima esses ignorantes acertam.

- "Pois não?"
- "Estamos com uma promoção de..."

Eu acho que Van Gogh teve outro motivo pra cortar a orelha fora.
Não deve ter sido briga entre amigos, por mulher, enxaqueca ou depressão coisa nenhuma. Naquela época já devia existir alguma empresa como essas do telemarketing

- "Olha...eu estou de saída para o trabalho, liguem outra hora..."

Nem sei por que ainda sou educado.
Bom, vamos lá.
"Este lado para cima", mais uns cinco minutinhos e tudo pronto pra final da Libertadores...

"Triiiiiim"

Ai, meu santo...de novo esse telefone.

- "Alô..."
- "Boa tarde, o senhor é o dono da casa?"
- "Não... sou um sem-teto. Passei por aqui e vi tudo vazio, achei que pudesse ir entrando...Óbvio que é o dono da casa, ora bolas...do que se trata? Se for telemarketing, estou ocupado, tenho pipocas no micro..."
- "Aqui é Maria de Lourdes, da Fonecom Brasil e estamos com um ótimo plano de Fone-Turbo..."
- "Olha, tu vais me desculpar, mas não estou interessado....no mês que vem serei mandado de volta pro meu país de origem, extraditado devido à série de crimes hediondos que andei cometendo..."

Pronto. Satisfeita agora, Maria de Lourdes? Queimou a porcaria da pipoca...
Mas ainda tem uma latinha de amendoim por aqui. Onde está? Ah, aqui! Duas almofadas nos pés, uma na cabeça, radinho de pilha ligado, TV sem som. Pior que narrador de televisão, só mesmo esse pessoal incomodativo do telemarkenting.
Putz, foi só falar.

- "ALÔ!"
- "Boa tarde, seu Natanael. Aqui é do Countrybank. O seu perfil foi selecionado para cliente especial e..."
- "Ah, que ótimo, que conveniente. Estou mesmo precisando de um empréstimo, porque perdi tudo no pôquer, sábado passado. Qual o limite de vocês? Trinta mil, tem como? Posso pagar tudo parcelado né, sem juros?"
- "..."
- "Alô, alô?"

Desligaram na minha cara. Pelo menos esses, eu acho que não ligam mais.
Agora, onde está aquela ceva geladinha?
Ahh, no congelador. No fundo. Ô inferno, empedrou.
Vai cara, olha o Fernandão livre na direita, passa a bola...Mas não é possível...

- "Alô!"
- "Seu Natanael?"
- "Quer me vender o quê agora, hein?"
- "Aqui é da Drogabete, farmácia especializada para diabéticos e..."
- "Até foi bom vocês terem ligado...Vocês podem fazer a fineza de tirar meu nome do cadastro, porque recém tive alta da cirurgia que me amputou a perna direita. Inclusive, fiz também um transplante de célula tronco e agora estou curado. Sem uma perna, mas curado. Passar bem, viu. Obrigado!"

Pênalti... E eu perdi o lance por causa dessa gente...
Vou deixar o telefone fora do gancho.
Gol!! É isso aí, agora o dia começou a ficar bom.

Ahh, não... Mas pro celular também?

- "Alô..."
- "Seu Natanael?"
- "Sim, é ele...O que é?"
- "Aqui é da Editora Julho. Gostaria de saber o motivo pelo qual o senhor cancelou a assinatura da Duas Rodas..."
- "Ahh, sabe o que é, querida, quem lia era meu namorado, o Valmor. Nós terminamos o nosso relacionamento. Ele me trocou por um funcionário de telemarketing. Mas se tu tiveres um irmão, amigo ou primo pra me apresentar, posso renovar a assinatura..."
- "Sim, entendo. Obrigada pelo seu tempo..."

Ponto pra mim... Hoje eu tô impossível... Eu e o colorado... Vamos acabar com vocês todos...

- "Alô...O que é agora, inferno?"
- "Ai, amor... isso é jeito?"
- "Ahh... oi amor...Desculpa, achei que era alguém tentando me vender alguma coisa..."
- "Blá, blá, blá"
- "Mas agora?! Tô no meio do jogo aqui. Está bem. Deixo o telefone no gancho e assim que você ficar pronta me liga que eu passo aí. Dá pelo menos uns 50 minutos, já está no intervalo, falta pouco pra acabar. Começou... Até mais, amor. Tá, tá bom, beijo...
Não, não esqueci do beijo, eu ia mandar... foi tu que não me deste chance."

Puta que pariu...

- "Alô, praga... Se for venda, eu não quero, não estou interessado..."
- "Seu Natanael? Se o senhor puder me dar apenas um minuto, aqui é da Mente TV..."
- "Estou ocupado. Só posso falar depois das 23 horas. Me dá teu telefone que ligo pra tua casa. Ah, não pode? Pois é, aqui então também não vai poder..."
Estou começando a gostar da coisa. Vou tirar o dia pra isso.

- "Alô, é a Débora? Olha só, meu amor... me desculpa, mas não vou poder passar aí hoje. É, tive um imprevisto. Bom, se você vai ficar braba aí é que eu não vou mesmo.
Pois então agora não vou mais. Estou ocupadíssimo, nos falamos amanhã está bem?
Sim, estou estressado. Amanhã vou estar melhor, ok? Um beijinho..."

Vamos lá, quem é o próximo?
Mas o que está acontecendo? Juiz safado, não tá impedido coisa nenhuma...
Juizinho incompetente... com o meu atacante tu te mete, né... quero ver é impedir esse pessoal do telemarketing...

- "Alô..."
- "Boa tarde, senhor Rafael..."
- "Não, filhinha...Não é mais Rafael... é Natanael agora, e ele infelizmente está preso, por ter enfiado um fone goela abaixo num atendente de telemarketing....Alô...alô.."

Essa foi boa...até eu gostei... Mais uma ceva.
Ahhh... bem gelada...
Ué, até que está demorando pra tocar o telefone, logo agora que peguei o gostinho.será que já foram todos?

"Trimmmmm"

Aí está!

- "Hello?"
- "Hein..senhor Natanael?"
- "Yes? The book is on the table."
- "É da casa do senhor Natanael?"
- "This is the house of mister George W. Bush."
- "Hã?"

Inferno. Perdi o jogo todo.

- "Quem é agora, diabos?"
- "Boa tarde, senhor Natanael. Aqui é Lidiane, da Cardicredi..."
- "É Rafael, infeliz...E não quero saber de onde você é, não me interessa..."
­- "Mas é bem rápido...vai levar só uns segund..."
- "Auauau auau auau-auauau!"

Na próxima vou tentar uma vaca. Não...uma ovelha...
Vou dar uma passadinha na casa do Cabeça para pegar uns DVDs. Já aproveito pra ver se descubro qual foi o placar do jogo do meu time.

Hoje é segunda-feira. Meio-dia. Mas quem seria tão inconveniente de ligar nesse horário?

- "Alô"
- "Boa tarde, seu Natanael, aqui é Lidiane da Cardicredi, novamente..."
- "Oi, querida. Lembro de ti sim... que bom que me ligaste. Estou me sentindo tão sozinho, sem ninguém pra conversar. A hora do almoço é sempre tão solitária, ninguém senta comigo. Você quer vir almoçar comigo?"
- "Desculpe, eu ligo em outra hora..."

O quê? De novo? No mesmo horário? Será que é ela?

- "Alô?"
- "Boa tarde, senhor Natanael, aqui é Lidiane da..."
- "Já sei, miserável...é da Cardicredi, né. Olha, nem perde teu tempo precioso e não gasta tua saliva. Sou candidato ao próximo ônibus espacial e, se tudo correr bem, estou me mudando para a lua, e lá eles felizmente ainda não usam os serviços da Cardicredi. Mas, se um dia eu decidir voltar, juro por Deus que entro em contato, ok..."

Agora eu acho que a Lidiane entendeu o recado.

Mas não é possível? Vai ligar todos os dias da semana, é?

- "Alô?"
- "Boa tarde, senhor Natanael. Aqui é Lidiane da..."
- "Sim, sim... da Cardicredi... Olha, maldita... não quero, e pronto."

Acho que estou enlouquecendo... Não acredito que não vou conseguir vencer essa desgraçada. Daqui a pouco, corro o risco de perder a minha mulher, aquela ciumenta que não entende minha relação com a Lidiane.

- "Alô?"
- "Boa tarde, senhor Natanael... Aqui é Lidiane da..."
- "Sim... Cardicredi, né... Olha, minha querida. Já faz mais de uma semana que tu me ligas, todos os infelizes dias da minha vida, e eu sempre digo que não estou interessado. Já estou até admirado da tua persistência. Se tu fosses um pouco mais esperta, poderia usar essa força de vontade para ser alguma coisa melhor na vida, e não uma simples "enchedora-de-saco-via-telefone", e que não vende porcaria nenhuma.
E vê se presta atenção: eu não quero comprar nada, não quero assinar nada, não quero concorrer a nada, não quero nem saber o que tu estás me oferecendo. Não me ligue mais ou vou ter que tomar alguma atitude!"
- "Mas senhor, vão estar sendo apenas poucos minutos..."
- "Tu já ouviste falar de Van Gogh? Não, né...faz uma pesquisa, te informa e fica atenta, porque se continuar assim tu receberás uma lembrança minha, já já..."

Minha comida esfriou de novo...

- "Alô.... Já sei, é a Lidiane, né?"
- "Sim, senhor..."
- "Ah, eu sabia que tu irias ligar de novo. Me diga o seu nomezinho completo, por favor. Tu estás ligando da central de São Paulo, não é? O endereço, por favor? Sim, eu tenho esse direito, já que vocês invadem minha privacidade todos os dias com telefonemas indesejáveis. Muito obrigado, Lidiane. Agora saibas de uma coisa: fostes tu mesma a causadora de tudo isso."

Eu sempre soube que ter sido neto de um avô açougueiro poderia me acrescentar alguma coisa boa na vida. Que bom ele nunca ter desistido de me ensinar a mexer com o cutelo.

- "Aqui é da portaria. O carteiro está aqui com uma entrega de Sedex para a Lidiane, do Telemarketing. Vem de um tal de Seu Natanael, de Porto Alegre. Ela precisa assinar o papelzinho aqui embaixo..."



Mais informações, no decorrer do período...